sexta-feira, abril 30, 2010

Babel

Minha boca ensaia
uma palavra pura.
Ela resolveria tudo,
seria uma aurora frágil
inconteste, entretanto,
na extremidade do túnel.

Uma noite responde
seu vocábulo obsceno:
a escuridão se derrama
apaga a manhã começada
anula o princípio possível.
Nas trincheiras
só restam ausências
e um ruído surdo
de terror
que tudo impede.
A ordem da vida
continua a mesma:
desespero vão
solidão amarga.

Olho o relógio inútil
e espero muito calada
um tempo de interlocução
longe e fora das horas.

Para sobreviver
penso em quem chegará
para afagar minha boca
e poupar meu esforço.

Seus olhos adivinharão
a palavra escondida
como uma luz enterrada.

Esse gesto esboçado...
Posso parar de tentar...

Mas esse milagre doce
não se articula nunca...


Para Hugo, que resume os que compreendem minha luz enterrada e por quem vale a pena continuar tentando, apesar da exaustão.