sábado, janeiro 26, 2008

Da arte de ter um blog

Fora dois livros publicados de supetão, a vida inteira escrevi para um número restrito de leitores. Aí um dia, por causa de Rosário (minha amiga das aulas de Filosofia) e de Débora (para quem não acompanha a história desde o início, a minha famosa irmã, diretora do Departamento de Marketing e Digitação deste blog, aliás, a esta altura do mês, nervosíssima por conta de minha intermitência em postar textos), resolvi abrir este blog.
Inicialmente, publiquei vários textos que, por nada, havia escrito e estavam dobrados e guardados numa gaveta (aqui para nós, em estado lastimável de conservação), às vezes, ainda no borrão, num papel amarelecido pelo tempo... Às vezes tinham permanecido meses e meses dentro de minha bolsa e eu os tirava e os mostrava a alguém no meio da rua, no supermercado... Debe os chamava de “alfarrábios” e, cuidadosamente, salvou-os e eles estão no arquivo aí do lado, todos; ela postou, inclusive, o meu primeiro romance “Jogo de trevas”, um texto ainda imaturo, fruto de meus vinte e poucos anos, idade que eu tinha na época em que o escrevi.
Este blog me deu uma sensação boa de dever cumprido por completo: eu escrevo, coloco num espaço público e quem quiser acessa e lê.
Algumas pessoas devem se perguntar por que escrevo, e aí preciso ter mais cuidado com a resposta. Escrevo porque gosto de escrever; porque preciso escrever; porque alguém tem que escrever, já que há quem não saiba; e, por último, ou principalmente, por causa da parábola dos talentos.
Essa parábola conta uma história muito bonita e muito pesada de um patrão que, tendo de viajar, confiou seus bens a seus três servos, diferentemente: deu 5 talentos a um; 2 a outro e 1 ao último. O texto bíblico acrescenta: “segundo a capacidade de cada um”. Depois esse senhor partiu.
Muito tempo depois, ele voltou e cobrou suas contas. O primeiro servo devolveu-lhe 10 talentos e o segundo, 4, o que satisfez demais o senhor. Mas o terceiro servo, com medo, tinha enterrado o talento e ousou devolvê-lo do jeito que o recebeu, ao mesmo tempo em que, covardemente justificando seu medo, exclamava que o senhor era duro e costumava colher onde não plantava. O senhor indignou-se e lhe disse:
- Se sabias que eu quero colher onde não plantei, devias ter posto o talento no banco, que geraria lucros. Tiro agora o talento de ti e o darei ao que tem em abundância. És um servo inútil. Condeno-te às trevas exteriores, onde há choro e ranger de dentes.
Eu poderia pensar que, sendo professora de Literatura e Redação, já estaria multiplicando o talento que recebi, que é o da escrita, mas Deus merece franqueza e coragem: eu não devo tentar enganá-lo, nem a mim mesma, até porque as trevas exteriores são um lugar horrível e, portanto, tenho que me esforçar para seguir outro roteiro.
Este blog, enfim, sou eu tateando o caminho do desenvolvimento do meu talento, que não é grande, mas é o que me coube, segundo minhas capacidades inatas e, acredito, construídas também por mim mesma, que um pouco dos milagres e das realizações de Deus aqui nós é que fazemos. E tanto maior nossa obra quanto melhor mirarmos sua bússola maravilhosa.
Minha tia Germana, a partir de agora, aclamada Assessora para Assuntos Teológicos e Filosóficos deste blog, assim como Débora, sem nem ter se candidatado, porque são cargos que naturalmente se encaixam nas missões planetárias de cada uma, usou este mês uma frase de Guimarães Rosa para descrever minha coragem, que é “gentil e preguiçosa”, e, talvez, venha daí essa falta de constância em atualizar o blog ou mesmo a falta de ter o que dizer, mas isso é segredo, não quero que Deus ouça.
Mas uma coisa é certa: cada comentário que leio é uma alegria intensa que sinto. Confesso que, sempre que sento diante do computador, abro o blog e verifico se há um comentário novo e, quando há, exulto de feliz! Algumas pessoas acham que não me importo, pois nunca respondo, mas não é isso: acho que um blog não é uma página de recados; é um espaço onde disponibilizo meus textos porque eles são uma obrigação existencial inescapável, e cada comentário pertence ao texto que, publicado, deixa de ser meu e passa a ser domínio de todos, como uma trança.
Ter um blog, portanto, é libertar meu talento e tentar multiplicá-lo como me é possível. Cada comentário desvela, também na escrita, as repercussões que meus textos provocam nas pessoas que conheço e, às vezes, que nem conheço. Isso tudo me cura, me salva e me dá uma sensação de tarefa cumprida, como devo, como posso...

A tia Mana, naturalmente.